Imagine-se fazendo um espaguete para o jantar. Usando seus olhos, olhe ao redor da cozinha e veja seu equipamento de cozinha e todos os ingredientes para sua refeição.
Seus ouvidos ouvem o som estridente ao abrir a porta da geladeira e o crepitar da casca de alho enquanto você o debulha.
Sua pele detecta a alça lisa e dura da faca e a superfície úmida do dente de alho ao cortar. Suas articulações e músculos sentem o peso do cortador e a posição do seu corpo enquanto você se move.
Seu nariz sente os aromas, e enquanto você coloca um pedaço de pimenta em sua boca, você gosta do sabor forte. E, embora você não tenha conhecimento disso, seu corpo percebe a força da gravidade da Terra.
Você pode saborear todas essas sensações ou pode ser inconsciente para elas porque elas são tão boas, comuns. Como seu sistema nervoso está funcionando normalmente, você está processando bem toda a entrada sensorial.
Pequenos pedaços de informação sensorial estão fluindo para o seu cérebro sob a forma de impulsos nervosos. O processamento sensorial permite que você se concentre na “grande imagem” do que você está fazendo: neste caso, preparando o jantar.
Agora, imagine que seus sentidos não estão funcionando de forma eficiente. A luz fluorescente lhe dá dor de cabeça, e você não consegue encontrar o molho de tomate na sua copa lotada.
A alface em suas mãos é viscosa e repulsiva. O cheiro de alho faz você ficar com raiva. Você não ouve a água fervente no fogão, e ela borbulha, inundando tudo e apagando o fogo.
Você bate sua cabeça em um armário, tropeça sobre o gato e derrama a salada. No momento em que o jantar está na mesa, você está exausta, nervosa e já gritou com todos. Tudo o que você quer fazer é rastejar para a cama e dormir.
E se você tivesse esse cenário de jantar desastroso todas as noites, e ninguém pudesse entender?
Afinal, todos os outros podem ver a lata na prateleira e o gato no chão, então, por que você não pode?
Os cheiros fortes não os irritam nem as cintilações, as luzes fortes não lhes dão dores de cabeça. Na verdade, eles podem preparar o jantar sob todas essas condições sem se aborrecer.
E, quando você tenta descrever porquê você está tão estressada fazendo tais tarefas, as pessoas pensam que você está sendo ridícula, problemática ou preguiçosa.
Podemos comparar essas experiências cotidianas ao que acontece a uma criança com problemas sensoriais. Para ela, ficar distraída e irritada por conta do ambiente que a circunda é bastante comum.
Para piorar as coisas, a entrada sensorial que ela recebe não é consistente, nem a resposta de seu sistema nervoso. O mundo parece um lugar imprevisível, frustrante, até perigoso, e, no entanto, as pessoas esperam que elas ajam normalmente em todas as situações diárias.
Não é de admirar que crianças com problemas sensoriais se distraiam facilmente e sejam muito ansiosas ou irritáveis.
Eles podem travar ou fazer birra quando outro fator estressante imprevisível entra em suas vidas, como, uma mudança na rotina da escola, um cancelamento inesperado de seus planos para a manhã, o copo preferido da Galinha Pintadinha que sumiu para o suco da tarde.
Eles podem se tornar controladores e exigentes: o copo da Galinha Pintadinha tem que ser encontrado ou então a situação pode complicar!
Conseguir a colaboração destas crianças pode ser um verdadeiro desafio.
Continue lendo esse artigo para saber como é o processamento sensorial da criança no espectro. Entender como sua criança experimenta o mundo permitirá que você modifique seu ambiente para minimizar a sobrecarga sensorial que ela recebe a todo instante. Você ainda irá aprender sobre:
O que é processamento sensorial?
Segundo a terapeuta ocupacional Lindsey Biel, o processamento sensorial refere-se a como as pessoas usam as informações fornecidas por todas as sensações provenientes do corpo e do ambiente externo.
Costumamos pensar nos sentidos como canais separados de informação, mas eles realmente trabalham juntos para nos dar uma imagem confiável do mundo e nosso lugar nele. Seus sentidos se integram para formar uma compreensão completa de quem você é, onde você está, e o que está acontecendo ao seu redor.
Como seu cérebro usa informações sobre visões, sons, texturas, cheiros, gostos e movimentos de maneira organizada, você atribui significado às suas experiências sensoriais e você sabe como responder e se comportar de acordo.
Um levantamento de crianças e adultos com autismo realizado no Geneva Centre for Autism em Toronto descobriu que mais de oito em cada dez eram hipersensíveis ao toque e som e tinham problemas de visão, e quase um terço tinha sensibilidade ao gosto ou ao cheiro.
Em um estudo com 200 crianças com TEA, o psiquiatra infantil Stanley Greenspan, MD, e a psicóloga Serena Wieder, Ph.D., descobriu que 94 por cento delas tinham problemas sensoriais:
- 39% eram sub-reativos (28% não respondeu aos estímulos sensoriais, enquanto 11% envolviam-se em comportamentos de busca sensorial);
- 19% eram hipersensíveis;
- 36% eram hipossensíveis;
- 100% apresentaram disfunção de processamento auditivo;
- 100% apresentaram disfunção de planejamento motor (48% com problemas de planejamento motor severo e 17% com baixo tônus muscular e problemas relacionados).
Para essas crianças no espectro, o mundo sensorial pode ser imprevisível e muitas vezes esmagador. Elas acabam se sentindo ameaçadas e desamparadas, com medo e forte ansiedade.
Compreenda seu mundo sensorial e você vai entender o seu comportamento. Entenda como elas processam seus sentidos e você será mais capaz de apoiá-las!
Hiper ou hipossensibilidade
Indivíduos com autismo muitas vezes também têm dificuldades sensoriais, que podem incluir hipersensibilidade (sendo mais sensível), e / ou hipossensibilidade (sendo pouco sensível) a qualquer um dos 7 sentidos.
Isso mesmo, eu disse 7!
Todos nós fomos ensinados sobre os 5 sentidos desde que éramos crianças, mas existem mais 2 sentidos de que você pode não ter ouvido falar e precisa estar ciente: o sentido vestibular (sentido de movimento e equilíbrio) e propriocepção (senso de consciência corporal).
A acuidade aumentada ou hipersensibilidade é muito comum. Estes indivíduos registram estimulação com uma sensibilidade muito maior.
Eles podem ouvir frequências e intensidades de som que a maioria das pessoas não pode registrar, ver partículas minúsculas ou detalhes distintos, sentir cheiros que outros não podem perceber e sentir a menor estimulação em seus corpos.
Isso pode ser perturbador e esmagador, e às vezes doloroso. Seus cérebros podem não ser capazes de filtrar o ruído de fundo, e eles podem ficar tão distraídos por detalhes sem sentido que não prestam atenção aos elementos importantes.
Imagine ver a cintilação de luzes fluorescentes, sentir as ondas magnéticas e eletromagnéticas de geladeiras e micro-ondas, ou ouvir pessoas próximas a você respirar. Essa sensibilidade aumentada, ou hipersensibilidade, pode ser um benefício (trabalhos que requerem observação de detalhes), mas mais frequentemente é um incômodo perturbador. Pode ser esmagadora e tornar a concentração muito difícil.
As crianças com hipersensibilidade são geralmente motivadas a fugir para evitar a estimulação, isso pode ser mal interpretado e a criança ser vista como resistente, opositora e de comportamento desafiador. Elas muitas vezes reagem exageradamente à estimulação (ruído, luz, tato, cheiros) até o ponto em que o pânico desencadeia a resposta de luta ou fuga.
Alguns indivíduos podem ser hipersensíveis em um sentido e hipossensíveis (pouca percepção) em outro. Com hipossensibilidade, a pessoa não registra níveis normais de estimulação e muitas vezes não sente, ouve, vê ou cheira sensações comuns a menos que sejam intensificadas.
Eles precisam de uma intensidade muito maior de entrada para que seus sistemas nervosos respondam a ela. Esta é a criança que pode não sentir dor, não fica tonta após girar, ou faz tudo muito bruscamente!
Esta é a criança que tropeça com frequência porque seu corpo não “detecta” o contato com o assoalho e os objetos em torno dela. Ela pode ser muito vigorosa com as coisas, porque ela não sente o quão firme está sendo.
Além disso, esta criança pode não sentir dor em níveis normais e pode ser propensa a lesões (ossos quebrados, cortes, etc.) sem consciência do ferimento.
Elas tendem a ser hiperativas na busca de estímulo e são muitas vezes chamadas de buscadores sensoriais.
Se a criança está sempre em movimento e gosta de girar, pode ser que o seu sistema vestibular seja hipossensível – e elas estejam procurando as entradas sensoriais. Por outro lado, se ela não gosta de ter os pés fora do chão e odeia girar e saltar, pode ser que seu sistema vestibular seja hipersensível.
Problemas sensoriais
Veja abaixo uma lista com os principais problemas sensoriais observados nas crianças do espectro:
Tátil (toque)
- Não gosta de toque leve;
- Resiste a abraços e beijos;
- Não gosta de usar chapéus;
- Tem medo quando os outros se aproximam;
- É exigente sobre roupas;
- Empurra as mangas ou as pernas da calça;
- Necessita ser tocada com força ou pressionada;
- Tenta manusear ou tocar em tudo;
- Insiste em segurar um objeto na mão;
- Pode tocar muito fortemente;
- Procura o toque, é pegajosa.
Visual
- É muito sensível a luzes brilhantes e luz solar;
- Pode ser sensível a certas cores;
- Tem visão muito fina, vendo partículas no ar;
- Visão direta pode ser muito incômoda para a criança;
- Pode ter estrabismo, ou olhar com visão periférica;
- É muito atraída pela estimulação visual, muitas vezes olha para a luz;
- Procura estimulação visual intensa;
- Adora ligar e desligar as luzes;
- Ama espelhos, objetos brilhantes, superfícies refletoras.
Auditivo
- É sensível a ruídos altos;
- Pode ouvir frequências que outros não conseguem ouvir;
- Cobre as orelhas com as mãos;
- É distraída por ruídos de fundo;
- Torna-se agitado em grupos grandes;
- Fala alto;
- É uma pessoa muito barulhenta;
- Aumenta o volume de aparelhos eletrônicos;
- Faz ruídos vocais constantemente;
- Ama objetos ou atividades que têm sons distintos (motores, tambores, etc.).
Gostos e cheiros
- Acham muitos sabores e odores comuns repulsivos;
- Sente-se incomodado muito facilmente por cheiros diários normais (perfumes, odores naturais, produtos químicos, alimentos);
- Sensação de cheiro vai diretamente para o sistema límbico (cérebro emocional);
- Pode vomitar facilmente;
- Pode ser muito exigente na escolha de alimentos;
- Necessidades de cheirar ou provar tudo;
- Pode procurar cheiros e sabores fortes;
- Muitas vezes identifica pessoas e objetos por seus cheiros;
- Pode colocar objetos inadequados na sua boca, cheirar o cabelo dos outros, ou querer lamber coisas.
Vestibular (movimento)
- Mostra insegurança gravitacional;
- É muito ativa, sempre em movimento;
- Tem forte reação emocional ao movimento inesperado;
- Resiste atividades de movimento;
- Fica tonta e enjoada em movimentos simples;
- Sente forte necessidade de ficar sentada ou manter os pés no chão;
- Muitas vezes é muito ansiosa, insegura;
- Deseja movimento, escalada e queda;
- Faz movimentos sem medo, impulsiva, sem levar em conta a segurança;
- Raramente fica tonta;
- Tem dificuldade em ficar quieta.
Propriocepção (estimulação de articulações e músculos)
- Coloca o corpo em posições estranhas;
- Muitas vezes tem dificuldade em manipular pequenos objetos (por exemplo, botões);
- Pode virar todo o corpo para olhar para algo;
- Muitas vezes desconhece a posição do corpo no espaço;
- É desajeitada;
- É flexível, com tônus muscular fraco;
- Muitas vezes precisa se apoiar em objetos e pessoas;
- Muitas vezes choca-se em pessoas ou coisas;
- Necessita empurrar, puxar e bater.
Defensividade Sensorial
Com defensividade sensorial, a criança é hipersensível à estimulação.
Para esta condição, o sistema nervoso da criança reage exageradamente a estimulação, levando ela para a resposta de pânico ou fuga.
Bill Nason, psicólogo e especialista em autismo no diz que: para essas crianças, um toque leve pode ser doloroso, sons específicos e frequências podem ser ensurdecedoras, a intensidade normal da luz pode ser cegante, e os cheiros podem ser avassaladores e nocivos.
Para essas crianças, o mundo pode ser esmagador e alarmante. Seu sistema nervoso está muitas vezes em alerta máximo e em guarda, sempre preocupado com um estímulo inesperado.
Essas crianças são frequentemente inseguras e altamente ansiosas, e muitas vezes são motivadas a fugir para evitar qualquer situação de incerteza, uma vez que o sistema nervoso está preocupado com o inesperado.
A criança frequentemente tem de controlar toda a atividade e interação para se sentir segura de uma estimulação inesperada.
Geralmente, as crianças não são sensíveis em todos os sentidos. Elas podem ser hipersensíveis em um sentido e não em outros. Elas também podem ser hipersensíveis a alguma estimulação, mas não a outros estímulos, no mesmo sentido.
Por exemplo, sua audição pode reagir exageradamente a uma frequência de som alta, mas não perceber sons baixos. Eles podem ser capazes de ouvir as batidas altas de um concerto de rock, mas não ser capaz de lidar com a sirene de uma ambulância.
Estas sensibilidades variam dependendo do estado do seu sistema nervoso. Se a criança está cansada, fatigada, doente ou com fome, a sensibilidade aumenta. Quanto mais esgotado o sistema nervoso, maior a sensibilidade à estimulação.
Além disso, quando elas estão em ambientes com alta estimulação sensorial (muita atividade, ruído, luzes, etc.), seus sistemas nervosos podem ser esmagados e a sensibilidade aumentada para níveis mais altos. Essas pobres crianças estão sempre ansiosas e antecipando o bombardeio e o ataque de pânico.
Os efeitos da defensiva sensorial podem ser sentidos em todas as áreas da vida. Esta criança é frequentemente nervosa, apreensiva e facilmente sobrecarregada.
Essa atitude defensiva pode muitas vezes ser vista como um mau comportamento da criança, já que ela precisa controlar tudo ao seu redor e resiste seguir a liderança dos outros. Ela é muitas vezes vista como resistente e opositora.
Por sua vez, a defensividade sensorial pode enfraquecer o sentimento de segurança, estabilidade emocional, autoconfiança e conectividade social da criança.
É difícil agir com confiança quando se está constantemente em guarda e pronto para fugir.
Pais, cuidadores e professores precisam estar cientes de que as questões de processamento sensorial podem ser um dos maiores desafios que as pessoas enfrentam na experiência do espectro. Quanto mais entendermos como a pessoa experimenta suas sensações, melhor iremos acomodar e compensar essas vulnerabilidades.
Então,
quais são as maiores dificuldades sensoriais da sua criança? Conte nos comentários abaixo.
Referências
Biel, Lindsey (2009) Raising a Sensory Smart Child: The Definitive Handbook for Helping Your Child with Sensory Processing Issues. New York, NY: Penguin Books.
Nason, B. (2014) The Autism Discussion Page on the core challenges of autism: A toolbox for helping children with autism feel safe, accepted, and competent. London: Jessica Kingsley Publishers.
Imagens: Depositphotos.
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