O cérebro é o computador do nosso corpo. Ele trabalha de maneira única para cada pessoa e controla como aprendemos, como sentimos e como nos comunicamos.
Do mesmo jeito que os computadores, cada um de nós processa a informação de uma forma diferente, alguns mais lentos, outros mais rápidos.
O cérebro autista têm áreas onde seu processamento é mais forte do que o nosso e áreas onde é mais fraco. Não melhor, não pior, simplesmente diferente.
Contudo, as diferenças na forma de coletar e interpretar as informações tornam nosso mundo muito caótico e confuso. Eles são literalmente estranhos em uma terra estranha – uma terra que espera um tipo de processamento que não corresponde às habilidades das pessoas no espectro.
No entanto, quando colocados em uma situação que exige processamento de detalhes estáticos, concretos e verdadeiros, o processamento da pessoa no espectro é muitas vezes superior ao nosso.
É por isso que muitas vezes eles podem ser superiores em engenharia, ciências da computação, ciências físicas, história, artes e muitos outros campos que dependem fortemente de fatos, detalhes, análise de padrões e raciocínio mecânico e elétrico.
Porém, quando se trata de processamento rápido de informações dinâmicas, eles lutam com as diferenças de processamento e isso pode resultar em uma série de dificuldades que você verá mais adiante.
Continue lendo esse artigo para entender como funciona o cérebro autista, de que forma as pessoas no espectro experimentam o mundo e, por sua vez, compreender seu comportamento muitas vezes confuso. Ao compreender essas qualidades, podemos ajudá-las (e a nós) a superar as diferenças entre os dois mundos. No artigo, você ainda irá aprender sobre:
- Diferenças entre o processamento cognitivo comum e do espectro autista
- O Cérebro Autista
- Conexões fracas
- Processamento simultâneo X processamento sequencial
- Pensamento do espectro autista
- Como podemos ajudar?
Diferenças entre o processamento cognitivo comum e do espectro autista
Nosso mundo é muito acelerado, nosso sistema nervoso é bombardeado constantemente por um fluxo contínuo de informações que mudam rapidamente a cada instante.
Recebemos múltiplos fluxos de informação que devem ser imediatamente filtrados e integrados sem perdas. Numa fração de segundos, nosso sistema nervoso tem que:
- filtrar o que não é importante;
- entender o “contexto invisível”;
- integrar múltiplas fontes de informação simultaneamente;
- categorizar e avaliar o significado geral rapidamente;
- e ainda avaliar a melhor forma de responder.
Nós temos que realizar todos esses processos simultaneamente, exigindo um processamento rápido de múltiplas informações.
Os cérebros das pessoas neurotípicas – termo usado para as pessoas que não estão no espectro autista – são mais aptos para processar esse fluxo de informação.
Nossa cultura é padronizada desta forma porque somos nós que ditamos o ritmo do nosso mundo. Podemos rapidamente processar essa informação simultânea, a maioria inconscientemente e com o mínimo esforço mental.
A maior parte desse processamento – cerca de 80% – fazemos intuitivamente sem pensar nisso ou mesmo estar ciente de que está ocorrendo. Analisamos rapidamente a informação e imediatamente entendemos o significado geral.
Nós continuamente assimilamos e acomodamos novas informações e constantemente readaptamos nossas respostas a elas. Nós processamos suavemente a informação que muda rapidamente, enquanto focalizamos nossa atenção para outras demandas.
Para ser capaz de processar e integrar rapidamente todas essas informações, temos que ter uma boa comunicação entre os diferentes centros do cérebro. Em um mesmo momento, temos informações chegando em diferentes áreas do cérebro simultaneamente.
Todas estas áreas têm funções diferentes, mas têm de trabalhar em conjunto, comunicando simultaneamente entre si para integrar todas estas informações. É isso que nos permite processar rapidamente todas essas informações com pouco esforço. Nosso cérebro faz a maior parte disso subconscientemente e com um mínimo esforço mental.
O Cérebro Autista
Nosso cérebro é composto por bilhões de células especializadas em processar a informação. Essas células são chamadas de neurônios. Se imaginarmos que o cérebro é uma empresa, podemos pensar em cada membro da empresa como representando um neurônio. E, da mesma forma que cada empregado da empresa está designado a um departamento, também cada neurônio de nosso cérebro pertence a um módulo. De que maneira?
Por exemplo, uma empresa grande tem um departamento de marketing, um departamento de recursos humanos, um departamento de atendimento ao cliente e assim por diante. Da mesma maneira nosso cérebro tem áreas especializadas em processar os sons que ouvimos, áreas especializadas em determinar se esses sons se originam de outros humanos ou de outra fonte e áreas especializadas em decifrar as mensagens verbais que esses sons contém.
Além disso, temos uma outra área fascinante, a área responsável por extrair mensagens sutis presentes no tom de voz usado e nas expressões faciais de quem falou.
Entendendo a essência
Por exemplo, imagine que se aproxima alguém conhecido e você diz: “Olá, tudo bem com você?” Essa pessoa poderá responder “Oi, tudo bem.” mas, será que ela está sendo sincera? Depende.
Para entender o sentido real do que ela falou, você presta atenção no tom de voz dela. Se ela falou de modo vagaroso, num volume baixinho e num tom mais grave você percebe que não está tudo bem. Sua próxima pergunta será: “Estou vendo que você não está se sentindo bem hoje, o que aconteceu?” e provavelmente a pessoa começara a desabafar com você.
No entanto, se ela falou falou num tom agudo, com um passo mais rápido e num volume mais elevado, você concluirá que seu amigo está mesmo bem e ajustará sua reação de acordo.
Você nem notou, mas dentro de seu cérebro a informação passou por vários departamentos, ou áreas. Isso aconteceu de modo automático. Você não precisou ficar pensando e gastando energia mental para conseguir interpretar a informação.
O cérebro autista se desenvolve de um modo diferente do comum. Num cérebro autista as áreas do cérebro relacionadas a comunicação, socialização e processamento emocional, entre outras, não se desenvolvem adequadamente.
O autismo, no entanto, não afeta apenas essas áreas. Simplesmente, essas são as áreas em que mais se nota que a pessoa tem autismo. Que outras áreas são afetadas? Por exemplo as relacionadas com o processamento de informação sensorial, com a percepção de temperatura, as áreas relacionadas com o controle de impulsos, entre muitas outras.
Ao mesmo tempo, especialmente se o autismo não é do tipo severo, áreas relacionadas com o processamento de teoria musical, matemática, arte e design, e compreensão e produção de matéria escrita, podem se desenvolver além do comum.
Conexões fracas
De acordo com o Dr. Steven Gutstein criador do programa RDI, os cérebros das pessoas no espectro têm conexões fracas entre os vários centros cerebrais. As vias que ligam os diferentes centros cerebrais não permitem a comunicação suave necessária para integrar rapidamente informações dinâmicas.
Isso torna difícil o processamento subconsciente de várias informações simultaneamente. Em vez disso, as pessoas no espectro têm de processar esta informação “sequencialmente”, pouco a pouco, conscientemente ordenando os detalhes.
Eles necessitam realizar muito esforço para compreender uma informação que nós normalmente processamos subconscientemente, com pouca energia mental.
Essa fraca conectividade do cérebro autista resulta em diferentes estilos de pensamento.
O estilo dos neurotípicos, que possuem a capacidade para processar rapidamente, integrar, comparar e contrastar, categorizar e avaliar informações dinâmicas muito bem.
Eles tendem a compreender o significado geral intuitiva e suavemente com pouco pensamento consciente, enquanto que as pessoas no espectro tendem a alcançar o significado analisando sequencialmente os numerosos detalhes concretos.
Eles têm que montar o quebra-cabeça, uma peça de cada vez.
Processamento simultâneo X processamento sequencial
Quando o cérebro tem boas neuroconexões, ele pode processar todas as múltiplas informações simultaneamente, integrando-as para um significado global.
Já, quando o cérebro não pode simultaneamente integrar esta informação, tem que classificá-la sequencialmente. As pessoas no espectro muitas vezes têm de conscientemente descobrir o que para nós é um processo intuitivo.
Gutstein nos diz que, este raciocínio sequencial retarda o processamento, deixando o indivíduo perder muito da informação passada. É tão difícil processar várias informações simultaneamente, que resulta em um atraso no processamento da mesma, às vezes exigindo de 30 a 60 segundos (ou mais) para processar o que podemos processar em poucos segundos.
Isso é muito desgastante e muitas vezes deixa as pessoas do espectro lutando para acompanhar a velocidade da informação. Frequentemente eles só conseguem processar apenas pequenos pedaços da informação total, uma vez que muito do que veio se foi antes que pudesse ser processado.
Assim, quando você compreende apenas partes da informação, a sua interpretação e comportamento resultante muitas vezes está fora de sincronia com o restante de nós. Por isso, muitas vezes as pessoas no espectro parecem estar um pouco por fora quando estão interagindo com a gente.
Muitas pessoas no espectro realmente pensam por imagens, e não em palavras. Elas têm que traduzir rapidamente nossas palavras em imagens antes que elas possam interpretar o significado. Isso retarda ainda mais e atrasa o processamento.
Pensamento do Espectro Autista
Como com todos os estilos de pensamento, o pensamento do espectro autista tem pontos fortes e fracos. As pessoas do espectro são muito boas com a análise de detalhes, memorizando fatos, vendo padrões sensoriais e vendo detalhes mecânicos e elétricos.
Eles são menos tendenciosos em avaliações, porque eles tendem apenas a ver os fatos. No entanto, eles lutam em situações que exigem processamento rápido de informações dinâmicas, entender palavras e frases com duplo sentido, gírias e informações vagas.
As pessoas no espectro têm problemas para realizar muitas tarefas ao mesmo tempo. Eles são hiper focados em detalhes específicos, por vezes irrelevantes ou se distraem quando tem muita informação pedindo pela atenção.
Pontos Fortes
- Boa percepção dos detalhes;
- Boa memória para fatos, estatísticas e outras informações estáticas;
- O pensamento literal resulta em uma interpretação menos tendenciosa dos fatos;
- Podem ter memória fotográfica muito forte;
- Grande percepção dos padrões sensoriais;
- Bom raciocínio concreto e lógico.
Pontos Fracos
- Processamento sequencial lento;
- Dificuldade em ver o quadro geral;
- Dificuldade em processar informações que mudam rapidamente;
- Dificuldade com significados vagos e múltiplos;
- Luta com o raciocínio abstrato que exige contínua comparação, contrastação e reflexão.
Como podemos ajudar?
Segundo o psicólogo e especialista em autismo Bill Nason, a pessoa no espectro autista, principalmente as crianças, tem uma velocidade de processamento e ritmo mais lento sempre que vai fazer alguma coisa.
Você não pode apressá-lo.
Muitas pessoas no espectro atrasam o processamento da informação e respondem lentamente. Muitas vezes tentamos apressá-los, mas isso nunca funciona.
Eles congelam e resistem a pressão, que muitas vezes torna as coisas piores. Quanto mais forte formos, mais fortes eles resistem. Isso ocorre porque o cérebro não o permite se mover mais rápido do que processa.
Ele entra em pânico, em modo de congelamento, ou de fuga. Nós necessitamos sempre respeitar e deixar a pessoa agir no seu próprio ritmo e velocidade.
Infelizmente, é desconfortável para nós, mas é necessário para ele. É uma tendência natural querer fazer a pessoa corresponder ao nosso ritmo, só que muitas vezes isso não é possível. Deixe-o definir o ritmo para que ele se sinta confortável e capaz!
Como podemos ajudar? O que podemos fazer para apoiar a pessoa quando se comunica e ensina? Como podemos unir os dois mundos de processamento para que possamos nos comunicar e nos relacionar com mais facilidade?
Bill Nason dá as dicas:
1. Dividir a informação
A primeira coisa que podemos fazer é evitar fornecer muitas informações ao mesmo tempo e não esperar que as pessoas no espectro executem várias etapas ou tarefas de uma só vez.
Divida-a em partes sequenciais. Fornecer informações sequencialmente, um passo de cada vez, para que possam processá-la e executá-la.
Divida as tarefas em etapas simples e desenhe a sequência de ações. Coloque as informações de uma forma que eles possam pensar sobre elas.
2. Aumentar o tempo de resposta
Como as pessoas no espectro não podem processar múltiplas informações simultaneamente e as processam de forma sequencial, diminua a velocidade e lhes dê mais tempo para processar (pensar bem).
Mantenha suas declarações verbais curtas. Fale devagar e dê um tempo extra para que elas processem. Você pode precisar de 10 a 30 segundos para que elas processem e lhe responda.
Deixe-as acompanhar o aprendizado para não ficarem sobrecarregadas. Ao comunicar e ensinar, quebre em partes e facilite, permitindo aumentar o tempo para ela processar e responder.
3. Deixar claro
Chegue ao ponto e deixe claro. As pessoas do espectro pensam em fatos concretos e detalhados. Elas precisam de informações muito concretas e literais que sejam reais, não preenchidas com suposições e deduções.
Chegue ao ponto, mantenha o ponto, e torne-o literal e real. Quando possível, apresente as informações visualmente para que possam vê-la. Escreva palavras, mostre imagens, diagramas, fluxogramas e modelos visuais, eles fornecem um recurso importante para referência.
Nossas palavras faladas são fugazes e facilmente perdidas na conversação.
4. Ser literal
“Diga o que você quer dizer literalmente!” Não fale através de metáforas, não enfeite as coisas, nem use gírias. Seja real e coerente. Nada mais e nada menos.
As pessoas do espectro precisam saber que a informação é consistente e previsível. Inconsistências e imprevisibilidade podem levá-los ao medo e pânico. E se eles não puderem compreender e prever, eles não terão confiança.
Nossos estilos de pensamento e estilos de comunicação são radicalmente diferentes. Portanto, temos de fornecer informações para que elas possam processar e se comunicar de uma maneira que possam entender.
Simplesmente falando, para nos relacionarmos de forma eficaz com pessoas do espectro, precisamos diminuir nosso ritmo, desacelerar.
“Divida a informação, aumente o tempo e deixe claro!”
Então,
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Referências
Gutstein, S.E. (2009) The RDI Book: Forging New Pathways for Autism, Asperger’s and PDD with the Relationship Development Intervention Program. Houston, TX: Connection Center Publishing.
Henriques, T. (2018) Autismo e Síndrome de Asperger O Guia Fácil de Entender para Pais, Educadores e Portadores de Autismo. Amazon Digital Services LLC.
Nason, B. (2014) The Autism Discussion Page on the core challenges of autism: A toolbox for helping children with autism feel safe, accepted, and competent. London: Jessica Kingsley Publishers.
Imagens: Depositphotos.
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